TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO JULGA ILEGAL EXIGÊNCIA DE PROGRAMA DE INTEGRIDADE COMO CRITÉRIO DE HABILITAÇÃO EM LICITAÇÃO

O programa de Integridade é uma programa de Compliance específico para prevenção, detecção e remediação dos atos lesivos previstos na lei 12.846/2023, a conhecida Lei Anticorrupção. Com o advento da Nova Lei de Licitação e Contratos Públicos (Lei 14.133/2021), a discussão sobre a adoção de medidas anticorrupção por empresas que contratem com a administração pública tem se acalorado, sendo o programa de integridade um dos grandes protagonistas deste cenário.

A nova lei inovou ao prever como requisito obrigatório nas execuções contratuais de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto (em que o valor estimado da contratação supera R$ 200 milhões), a implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de seis meses, contado da celebração do contrato.

Apesar de ser uma imposição tão somente aos contratos vultuosos, cuja obrigatoriedade se inicia após a assinatura do contrato, a legislação já sinalizou a importância da adequação para os contratos de menor valor ao prever que o programa de integridade também configura (i) Critério geral de desempate entre licitantes, (ii) sanção administrativa, além de poder ser (iii) condição de reabilitação do licitante.

Considerando todo o incentivo a nova regulamentação de compliance aos contratos públicos, a Administração Pública passou a buscar, de forma abrupta, a exigência de sua implementação prévia, dispondo nos editais de licitação, como condição de habilitação no certame, a comprovação de programa de integridade nas empresas.

Ao esbarrar no Tribunal de Contas da União, a questão foi decida no Acórdão 1467/2022-Plenário, tendo como Relator o Ministro Aroldo Cedraz, que firmou o enunciado inferindo que “é ilegal a exigência de apresentação de programa de integridade por parte das empresas participantes de licitação, como critério de habilitação, uma vez que o rol de documentos constante dos arts. 27 a 31 da Lei 8.666/1993 é taxativo.1

Nesse sentido, o Ministro aproveitou a oportunidade para reiterar que o rol de documentos de habilitação que poderão ser exigidos dos interessados para participar do certame licitatório são taxativos (Acórdão 2.197/2007-TCU-Plenário, Relator Ministro Augusto Sherman), os quais se restringem à habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal e trabalhista, e ao cumprimento do disposto no inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal (declaração de que a empresa não emprega menor de 18 anos, salvo na condição de aprendiz), sendo qualquer exigência que extrapole a tal previsão restrição indevida à competitividade do certame, pois violaria mandamento constitucional (CRFB. Art. 37, XXI)2.

A despeito do fundamento consolidado do Tribunal advir da Lei 8.666/93, já revogada, o Ministro Relatou citou as previsões da Lei 14.133/2021, para enfatizar que a nova lei prescreve que o Programa de Integridade somente deve ser exigido do licitante vencedor num prazo de seis meses após a celebração do contrato, de forma que a Administração Pública tem sim restringido indevidamente a competitividade do certame:

e) ainda que se pudesse admitir a aplicabilidade por analogia da nova lei à licitação em comento, deve-se ressaltar que a Lei 14.133/2021, em seu art. 24, 4º, previu a obrigatoriedade de se exigir Programa de Integridade apenas nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, assim consideradas aquelas superiores a R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais). Ademais, a nova lei prescreve que o Programa de Integridade somente deve ser exigido do licitante vencedor e num prazo de seis meses após a celebração do contrato;

f) no caso em exame, a exigência foi de que tal programa fosse apresentado juntamente com a documentação de habilitação e, por consequência, por todos os licitantes (não apenas o vencedor), sem conceder-lhes qualquer prazo para a implantação do programa após vencida a licitação e incidindo sobre contratação cujo valor estimado (R$ 7.975.738,80) era muito inferior ao que a lei estabelece como sendo de grande vulto; (Trecho do relatório – Acórdão 1467/2022-TCU-Plenário, Relator Ministro Aroldo Cedraz)

O julgado é significante para alertar aos licitantes que, em que pese as tendencias modernas de repaginação das empresas quanto às políticas de integridade, de fato necessárias, é preciso identificar nos editais condutas que violem o princípio da competitividade prevendo exigências excessivas.

A nova lei de licitações colocou o programa de integridade como uma obrigatoriedade a posteriori, ou seja, depois da assinatura do contrato. Tal razão de ser, por óbvio, advém de saber que o licitante precisa se adequar para as novas tendencias do mercado, mas não pode ser prejudicado, de modo a contrariar a exigência constitucional de que a lei somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.


1 (Acórdão 1467/2022-TCU-Plenário, Relator Ministro Aroldo Cedraz)

2 CRFB. Art. 37, XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (Regulamento)

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