STF DEFINE PARÂMETROS PARA NORTEAR DECISÕES JUDICIAIS NO CAMPO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

O Poder Judiciário pode obrigar o Poder Executivo a implementar políticas públicas em benefício da população ou isso é uma violação ao princípio da independência entre os Poderes?

Preliminarmente, o conceito de políticas públicas pode ser delineado, em seu sentido amplo, como a implementação de conjunto de procedimentos e diretrizes governamentais que buscam coordenar ferramentas Estatais e o aparato privado, servindo de instrumento para promoção da cidadania e efetivação de princípio constitucionais[1].

Já a judicialização das políticas públicas é oriunda de fatores históricos, econômicos, culturais, políticos e jurídicos, que por vários motivos não tiveram sua efetiva aplicabilidade, e assim acaba por provocar uma crise em esfera de direitos individuais ou de uma coletividade.

Isso foi o que aconteceu com a problemática debatida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 30/06/2023, no qual fixaram parâmetros para direcionar decisões judiciais a respeito de políticas públicas relacionadas à efetivação e realização de direitos fundamentais.

A temática foi discutida no julgamento do Recurso Extraordinário – RE 684612, que possui repercussão geral cadastrado como Tema n.º 698[2], e de acordo com a decisão, a atuação judicial deve ser pautada por critérios de razoabilidade e eficiência, respeitando o espaço de discricionariedade do administrador público.

O recurso foi interposto pelo Município do Rio de Janeiro contra decisão do Tribunal de Justiça (TJ-RJ) prolatada em sede de ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Estadual com o fim de obrigar a prefeitura daquele município a tomar providências administrativas para realização de concurso público para médicos e funcionários técnicos, visando o regular funcionamento do Hospital Salgado Filho.

É evidente que a intervenção do Poder Judiciário no campo das políticas públicas é fato incontestável na realidade brasileira, de modo que resulta em intensos ajustes do sistema de freios e contrapesos. No entanto, até que ponto isso pode acontecer sem que isso implique em violação da independência dos Poderes da República?

O STF, ao julgar o caso acima descrito, apresentou alguns parâmetros norteadores para essas decisões judiciais.

Parâmetros

Em primeiro lugar, delinearam situações em que a inércia administrativa impede a realização de direitos fundamentais de políticas públicas. Nesse sentido, prevalecendo o voto e entendimento do Ministro Luís Roberto Barroso, o qual firmou que não há como negar ao Judiciário a interferência para implementação de políticas públicas nestes casos, e que, considerando a existência da inércia administrativa, não violaria a separação dos Poderes.

No entanto, o ministro ressaltou a necessidade de mais “parâmetros” para permitir a atuação, isso porque, como é o caso do paradigma em julgamento, as providências determinadas pelo TJ-RJ não se limitaram a indicar a finalidade atingida, mas na verdade interferiram no mérito administrativo, ao determinar a forma de contratação e local de lotação. Portanto, a intervenção do judiciário, colocaria em risco a própria continuidade das políticas públicas de saúde e desorganiza a atividade administrativa, comprometendo a alocação racional dos recursos públicos.

Neste caso, o Plenário concedeu provimento parcial ao recuso da prefeitura, de modo que o processo retornará para novo exame da controvérsia e julgamento no TJ-RJ, de acordo com a realidade do hospital e com os parâmetros fixados pelo STF.

Por fim, a corte fixou teses de repercussão geral.

Teses fixadas:

1. A intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais, em caso de ausência ou deficiência grave do serviço, não viola o princípio da separação dos poderes.

2. A decisão judicial, como regra, em lugar de determinar medidas pontuais, deve apontar as finalidades a serem alcançadas e determinar à Administração Pública que apresente um plano e/ou os meios adequados para alcançar o resultado;

3. No caso de serviços de saúde, o déficit de profissionais pode ser suprido por concurso público ou, por exemplo, pelo remanejamento de recursos humanos e pela contratação de organizações sociais (OS) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP).

Diante da manifestação da Corte Suprema, é indispensável a atuação jurisdicional com cautela, por representar uma interferência de grande repercussão social e ainda, por relacionar-se diretamente com gastos públicos.  


[1] LEONEL, Ricardo de Barros. Manual de Processo Coletivo. 3a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. TEMA 698 – Limites do Poder Judiciário para determinar obrigações de fazer ao Estado, consistentes na realização de concursos públicos, contratação de servidores e execução de obras que atendam ao direito social da saúde, ao qual a Constituição da República garante especial proteção. Brasília: STF, 2023. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercu ssao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4237089&numeroProcesso=684612&classeProcesso=RE&numeroTema=698. Acesso em: 17 jul. 2023.

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