O Supremo Tribunal Federal publicou decisão no RE n.º 588.954/SC, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes para, mediante revisão de tese inicialmente proposta, reconsiderar decisão proferida em 05/09/2009 pelo então Ministro César Peluso e reconhecer a ausência de repercussão geral sobre o direito de supermercados a crédito de ICMS relativo à energia elétrica utilizada no processo produtivo de alimentos que comercializa.
O recurso extraordinário foi apresentado em face de Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, trazendo como fundamento para a reforma a violação ao princípio da não cumulatividade, elemento constitucional atribuído ao ICMS e essencial para a apuração do imposto devido em cada operação da cadeia comercial de determinada mercadoria.
Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal havia reconhecido a repercussão geral da matéria em razão do interesse de um número indeterminado de contribuintes e em razão de a questão trazida à análise da Corte Suprema ser objeto da ADI n.º 2.325, e a outros Recursos Extraordinários interpostos.
Contudo, ao reanalisar o objeto da ação, foi o entendimento do Ministro Gilmar Mendes de que já houve o enfrentamento do tema pela Corte por meio do RE 200.168, ainda que sob uma perspectiva mais ampla.
Relatado pelo então Ministro Ilmar Galvão, o julgamento do RE n.º 200.168 evidenciou o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a aquisição de energia elétrica para consumo implica, necessariamente, em uma não saída do bem. Consequentemente, e seguindo a linha de raciocínio do acórdão paradigma, o consumo da energia elétrica adquirida quebra a não cumulatividade do ICMS na operação e impede a tomada de créditos, nos termos do art. 31, II do Convênio ICMS 66/88.
Fica evidente a ausência de maior esforço pela Corte Superior em abandonar o arcaico entendimento de que apenas estabelecimentos industriais podem realizar “atividade industrial”, e, consequentemente, utilizar-se de créditos de ICMS no presente caso.
A linha argumentativa desenvolvida (e mantida) pela Corte Superior é falha justamente por reconhecer que as indústrias, as quais possuem o direito ao creditamento, também adquirem energia elétrica para consumo e/ou utilização em processo produtivo. Contudo, a decisão falha em fazer a distinção entre o estabelecimento industrial e o estabelecimento comercial para fins de creditamento de ICMS.
Neste sentido, possível aduzir que a linha argumentativa do Supremo na decisão proferida parte de premissa equivocada quanto à ausência de cumulatividade tributária na aquisição de energia elétrica por estabelecimento comercial e o direito de crédito do imposto pago na etapa anterior.
Por outro lado, há de se admitir que se o ponto principal da discussão tratada pelo recorrente é o reconhecimento da possibilidade de estabelecimento comercial realizar procedimento de industrialização, talvez esteja certo o entendimento do Supremo de que a discussão trazida é de índole infraconstitucional.
Em se tratando de discussão infraconstitucional, imperativo ressaltar que o entendimento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do tema repetitivo n.º 242, de que as atividades de panificação e de congelamento de produtos perecíveis, restaurantes, entre outros não configuram processo de industrialização, inexistindo, portanto, direito ao creditamento de ICMS pago na entrada de energia elétrica consumida no estabelecimento comercial.
Ainda que o Superior Tribunal de Justiça tenha proferido decisão mais tecnicamente acertada, estabelecendo que a diferença entre o estabelecimento industrial e o estabelecimento comercial para fins de creditamento de ICMS seja que o estabelecimento comercial tenha um foco predominante na comercialização de bens de consumo, necessário estabelecer que houve, implicitamente o reconhecimento de que este último realiza também atividade industrial:
(…) a atividade desenvolvida pela apelante não pode ser considerada como industrial para efeito de creditamento, porquanto ainda que se vislumbre, em alguns setores, a transformação de matéria-prima e o aperfeiçoamento de produtos destinados ao consumo, seu desempenho possui caráter secundário no plano empresarial, focado, essencialmente, na comercialização de bens de consumo.
Se há atividade industrial caracterizada, ainda que de forma dimensionada em comparação à totalidade das atividades desenvolvidas pelo estabelecimento comercial, torna-se inegável a conclusão de que, mesmo de forma dimensionada, existe direito ao crédito – posicionamento este que seria mais coerente às premissas fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça.
Portanto, com o reconhecimento da ausência de repercussão geral sobre o direito de supermercados ao crédito de ICMS relativo à energia elétrica utilizada no processo produtivo de alimentos que comercializa, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça torna-se definitivo dentro do Judiciário Brasileiro. Há um nítido prejuízo aos estabelecimentos comerciais impossibilitados de reaver os créditos sobre a energia elétrica adquirida para consumo e/ou utilização em seu processo produtivo – não obstante a existência de fundamentação jurídica para tanto.