A PROTEÇÃO DO PONTO COMERCIAL E A LIMITAÇÃO TEMPORAL DA RENOVAÇÃO DO CONTRATO DE ALUGUEL COMERCIAL À LUZ DO MAIS RECENTE ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Atualmente, quando buscamos definir o patrimônio de uma empresa necessitamos dividi-lo entre os ativos tangíveis e intangíveis do negócio jurídico. No primeiro grupo estão aqueles que podem ser materializados, como capital social, maquinário e imóveis. Já no segundo grupo, estão os elementos que não podem ser verificados no plano concreto, tal qual o nome empresarial, as propriedades intelectuais e o objeto desta discussão, o ponto empresarial.

O ordenamento jurídico trata como ponto comercial o local onde o estabelecimento está instalado, podendo ser um imóvel de titularidade da própria empresa ou do empresário ou que está na posse da companhia por meio de um contrato de locação para fins comerciais. Por entender que, devido a força do trabalho e da organização do empreendedor, este aspecto da empresa possui um sobrevalor incorpóreo, o qual agrega valor ao imóvel onde a companhia está instalada.

Desde muito cedo a legislação brasileira protege a condição do locatário comercial, isso se vê na antiga Lei de Luvas, como era conhecido o Decreto nº 24.150 de 1934[1], a qual já dispunha considerações sobre essa proteção do ponto empresarial. Através da ação renovatória, incluída em seu art. 1º, §2º, ela regulava uma proteção ao fundo de comércio criado pelo inquilino, tendo o próprio apelido da legislação surgido das investidas abusivas que os locadores costumavam realizar, exigindo do locatário o pagamento de altos valores, conhecidos como luvas, na hora de renovar o contrato.

Com a entrada em vigor da nova Lei de Locações, a Lei nº 8.245/91[2], foi ampliado o direito à renovação, onde a proteção ao fundo de comércio foi ampliada e passou a proteger todas as outras atividades empresariais, inclusive sociedades civis, acolhendo expressamente a possibilidade da temporização da renovação do contrato de aluguel comercial.

O Art. 51 desta legislação atribui ao locatário o direito à renovação compulsória do contrato, desde que preenchidos os requisitos, quais sejam (i) o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado; (ii) o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos; e (iii) o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.

Tal interpretação legislativa seguiu entendimento já suscitado pelo Supremo Tribunal Federal, o qual, ainda sob a égide do Decreto nº 24.150 de 1934, editou a súmula nº 178[3], onde determinava ser de 5 anos o prazo máximo da renovação contratual, ainda que o prazo previsto no contrato a renovar fosse superior.

Apesar de claro, este dispositivo provocou discussões e diferentes interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, especialmente sobre o os limites do prazo de renovação que deveriam ser aceitos pelas Partes no momento da renovação contratual, discutindo a expressão “igual prazo” utilizada no caput do Art. 51 da Lei nº 8.245/91, onde questionam se ele estaria se referindo ao prazo de 5 anos exigido para que o locatário tenha direito à renovação, à soma dos prazos de todos os contratos celebrados pelas Partes ou ao prazo apenas do último contrato.

Além da discussão já citada, também existem doutrinadores, em especial José Carlos de Moreira Salles, que defendem que o disposto legal, impeditivo da renovação pelo prazo que já foi estipulado pelas Partes no instrumento primitivo, estaria ferindo a própria autonomia das Partes, já que o Contrato deveria seguir o preceito das vontades daqueles que estão acordando.

A última destas divergências foi trazida pelo REsp nº 1971600/RJ[4], onde uma das Partes buscou a tutela do Superior Tribunal de Justiça para decidir sobre uma ação renovatória de contrato de locação comercial, onde era questionado, entre outras situações, se é possível a renovação do contrato de locação comercial por prazo superior ao legal de 5 anos, independentemente do prazo de vigência inicial do Contrato.

Neste caso, o acórdão do Tribunal Regional Federal recorrido acordou com o preceito de Moreira Salles, dispondo que:

“Nesse diapasão, se as partes pactuaram a locação pelo prazo de 10 (dez) anos, certamente, isso se deu pelas peculiaridades do caso em tela, que, frise-se, trata da locação de imóvel com pujante valor de locação e tamanho (Lojas Americanas), onde, obviamente, para se preservar a empresa/locatária e o seu fundo de comércio, haveria de ser lhe dadas maiores e melhores garantias do que se vê regularmente nos contratos de locações não residenciais. Daí que, em que pese não escapar a esta Relatora que o C. Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que o prazo do contrato da renovação de aluguel de imóvel não residencial é de 05 (cinco) anos, nos termos do artigo 51, caput e inciso II, da Lei n° 8.245/1991, no caso em tela, deve-se prestigiar a vontade das partes, o que fora bem observado pela sentença recorrida.”[5]

No momento de seu voto, seguindo unanimemente pela 3ª Turma da Corte Superior, foi levantado pela Relatora Ministra Nancy Andrighi que o prazo de 5 anos, presente na Súmula nº 178 do STF e posteriormente replicado pela legislação, teria sido criado pelas questões inflacionárias da época que tornava inviável a renovação por período maior, sem prejuízo do próprio locador. Também aduziu que a renovação automática, embora vise garantir os direitos do locatário protegendo o ponto comercial face à uma pretensão ilegítima do locador, protegendo o seu patrimônio imaterial, também não pode se tornar uma forma de eternizar o Contrato de locação restringindo os direitos de propriedade do locador e violando a natureza bilateral do instrumento.

Entendendo pela maior proteção de ambas as Partes, sem estabelecer contrariedade ao instituto legal, mas também considerando o perigo da eternização do contrato de locação, estabeleceu a Relatora que o direito à renovação locatícia deve se dar pelo prazo máximo de 5 anos.

Em resumo, o instituto da renovação compulsória do contrato de locação comercial existe para proteger todos os envolvidos na relação, uma vez que garante ao locador a possibilidade de renovar o contrato em tempo hábil resguardando o seu direito de propriedade e de cobrar um justo valor pelo usufruto de seu bem. E, de outro lado, também garante ao locatário o resguardo de seu ponto comercial, bem como do ativo intangível de sua empresa, tudo isso estabelecendo um prazo que respeita os interesses das duas Partes, pois a falta de definição legal e deixar apenas ao critério da deliberação da vontade dos acordantes pode se tornar um estorvo futuro.

REFERÊNCIAS:

  1. BRASIL. Decreto nº 24.150 de 20 de abril de 1934. Regula as condições e processo de renovamento dos contratos de locação de imóveis destinados a fins comerciais ou industriais. Rio de Janeiro, RJ: Câmara dos Deputados. 1934. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d24150.htm. Acesso em 23 de março de 2023.
  2. BRASIL. Lei nº 8.245 de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Brasília, DF: Câmara dos Deputados. 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm. Acesso em 23 de março de 2023.
  3. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª Turma). Recurso Especial nº 1971600/RJ. DIREITO CIVIL, Obrigações, Espécies de Contratos, Locação de Imóvel. Recorrente: RELUP 3 EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA. Recorrido: LOJAS AMERICANAS S/A. Relatora: Ministra Nancy Aldrighi. 26 de agosto de 2022. Disponível em:  https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=202102880140&aplicacao=processos.ea. Acesso em 23 de março de 2023.
  4. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 178. Não excederá de cinco anos a renovação judicial de contrato de locação, fundada no Decreto 24.150, de 20-4-1934. Brasília. DF [1991]. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=30&sumula=4207#:~:text=N%C3%A3o%20exceder%C3%A1%20de%20cinco%20anos,de%2020%2D4%2D1934. Acesso em 23 de março de 2023.
  5. OLIVEIRA, Fábio Gabriel de. O Ativo Intangível Dos Bens Imateriais E Da Organização Produtiva Da Empresa Como Atributo Do Estabelecimento Empresarial. XVII Congresso Nacional do CONPENDI. Brasília, DF. 22 de novembro de 2008. Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/brasilia/06_382.pdf. Acesso em 23 de março de 2023.

[1] BRASIL. Decreto nº 24.150 de 20 de abril de 1934. Regula as condições e processo de renovamento dos contratos de locação de imóveis destinados a fins comerciais ou industriais. Rio de Janeiro, RJ: Câmara dos Deputados. 1934. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d24150.htm. Acesso em 23 de março de 2023.

[2] BRASIL. Lei nº 8.245 de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Brasília, DF: Câmara dos Deputados. 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm. Acesso em 23 de março de 2023.

[3]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 178. Não excederá de cinco anos a renovação judicial de contrato de locação, fundada no Decreto 24.150, de 20-4-1934. Brasília. DF [1991]. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/sumariosumulas.asp?base=30&sumula=4207#:~:text=N%C3%A3o%20exceder%C3%A1%20de%20cinco%20anos,de%2020%2D4%2D1934. Acesso em 23 de março de 2023.

[4]BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª Turma). Recurso Especial nº 1971600/RJ. DIREITO CIVIL, Obrigações, Espécies de Contratos, Locação de Imóvel. Recorrente: RELUP 3 EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA. Recorrido: LOJAS AMERICANAS S/A. Relatora: Ministra Nancy Aldrighi. 26 de agosto de 2022. Disponível em:  https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=202102880140&aplicacao=processos.ea. Acesso em 23 de março de 2023.

[5]BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª Turma). Recurso Especial nº 1971600/RJ. DIREITO CIVIL, Obrigações, Espécies de Contratos, Locação de Imóvel. Recorrente: RELUP 3 EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA. Recorrido: LOJAS AMERICANAS S/A. Relatora: Ministra Nancy Aldrighi. 26 de agosto de 2022. Disponível em:  https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=202102880140&aplicacao=processos.ea. Acesso em 23 de março de 2023.

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