Na última década, o setor de bares e restaurantes precisou se adaptar às exigências de um novo mercado de clientes em contínua expansão no ambiente virtual. Essa necessidade cresceu ainda mais com a popularização das Plataformas de Delivery, que, para além de realizarem a intermediação entre os consumidores e os estabelecimentos, aumentaram substancialmente o alcance das empresas no mercado e seu potencial de faturamento.
O serviço prestado por essas plataformas é remunerado com uma porcentagem da venda, de forma que este valor não ingressa no fluxo de caixa dos bares e restaurantes como faturamento, uma vez que retido automaticamente no momento da compra. Contudo, o Fisco entende que tais valores devem compor a base de cálculo das contribuições ao PIS e da COFINS, classificando-os como receita tributável.
Sobre o tema, importante analisar o disposto no art. 1º das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, de idêntica redação e que regulam a incidência dos referidos tributos:
Art. 1º – A Contribuição para o PIS/Pasep, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
§1º – Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica com os respectivos valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
Nota-se que o conceito de “receita” é o ponto fulcral para definição das bases de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS. Embora possua certa pluralidade conceitual, em síntese, a receita se configura quando a verba obtida pela pessoa jurídica (i) integra seu patrimônio de forma positiva; (ii) definitiva; e (iii) seja fruto da atividade desenvolvida pela empresa, com nexo de causalidade.
Todos os apontamentos aqui expostos foram observados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 574.706 (Tema 69), quando o STF definiu os parâmetros para o conceito insculpido no art. 195, inciso I, alínea “b” da CF. Destaca-se o voto da Ministra Rosa Weber:
Quanto ao conteúdo específico do conceito constitucional, a receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições, na esteira da clássica definição que Aliomar Baleeiro cunhou acerca do conceito de receita pública: Receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondências no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo. Ricardo Mariz de Oliveira especifica ser a receita “algo novo, que se incorpora a um determinado patrimônio”, constituindo um “dado positivo para a mutação patrimonial”. Nessa linha, Senhora Presidente, eu entendo, com todo respeito – e aqui eu estou invocando o parecer do Professor Humberto Ávila, brilhante que foi elaborado para este processo -, eu estou invocando o filtro constitucional para fazer a leitura da legislação infraconstitucional (…) (STF, Voto da Ministra Rosa Weber no julgamento do Recurso Extraordinário no. 574.706, Tribunal Pleno, julgado em 15.03.2017, p. 79-80 do acórdão)
Nota-se, portanto, que o valor retido pelas Plataformas de Delivery a título de taxa pela utilização dos serviços de intermediação não se enquadra no conceito de receita definido pelo STF quando visto sob a ótica das empresas que oferecem os produtos para venda, ou seja, os bares e restaurantes.
O valor da taxa não integra o patrimônio desses Contribuintes de forma positiva nem – muito menos – definitiva, uma vez que é retido diretamente pelos aplicativos que realizam a intermediação no momento da compra. Noutras palavras, apenas o remanescente é repassado ao fornecedor. Também não se pode entender que tal quantia seja relacionada à atividade empresarial do bar ou restaurante, tendo em vista que se trata da contraprestação pelo serviço de um terceiro, o que afasta todos os requisitos acima elencados.
Inclusive, esse foi o entendimento adotado pela Seção Judiciária do Rio de Janeiro ao julgar caso semelhante:
A questão que envolve o direito da empresa/impetrante quanto a seu direito a à exclusão da comissão da plataforma digital da base de cálculo para recolhimento das contribuições do PIS e COFINS foi devidamente abordada no momento da apreciação da liminar, cujos fundamentos aqui se adota, consoante decisão de Evento 09: (…)
Assim, uma vez que a impetrante é empresa do ramo alimentício e que é flagrante que se utilize de plataformas digitais para impulsionamento de suas vendas, o valor pertinente a “comissão” paga a tais empresas, cujo valor nem sequer entre na composição em seu caixa, é certo que tenha a natureza de insumo e, portanto, deve ser excluída da base de cálculo das contribuições.
Dispositivo
Diante de todo o exposto, CONFIRMO A LIMINAR E CONCEDO A SEGURANÇA para determinar que a autoridade impetrada assegure a impetrante o direito de excluir da base de cálculo das contribuições para o PIS e COFINS o percentual pertinente a comissão relativa a plataforma digital de entregas (delivery).
Outrossim, declaro o direito da impetrante de COMPENSAR/RESTITUIR os valores indevidamente recolhidos nessa sistemática (Súmula nº 461 do STJ), na forma estabelecida na legislação de regência, após o trânsito em julgado da decisão (art. 170-A do CTN), observado o prazo de cinco anos (art. 168 do CTN), ficando a operação sujeita ao regramento da Secretaria da Receita Federal do Brasil. Sobre os créditos apurados pela impetrante, incidirá a Taxa SELIC, com exclusão de qualquer outro índice de juros e de correção monetária.
(Mandado de Segurança 5003370-24.2023.4.02.5101. Seção Judiciária do Rio de Janeiro. 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Juiz Federal: Jose Arthur Diniz Borges. Data de Julgamento: 29/06/2023)
Em que pese o Juízo tenha desenvolvido argumentação no sentido de enquadrar o pagamento das taxas cobradas pela plataforma como “insumo”, a questão principal a ser considerada é a exclusão da base de cálculo das contribuições ao PIS e da COFINS, uma vez que não se enquadra no conceito de “receita”.
Verifica-se, pois, que a decisão afeta diretamente um setor de grande importância, o de bares e restaurantes, cuja significativa parcela de suas vendas ocorre por meio desses aplicativos de delivery. Em verdade, esse entendimento aplica-se a todos os usuários da plataforma, que incluem também mercados, farmácias e outros comércios. Essa nova perspectiva pode representar grande impacto no caixa dessas empresas e, consequentemente, em sua saúde financeira.
Portanto, a partir dos parâmetros estabelecidos pelo STF como plano de fundo para o julgamento do RE nº 574.706 (Tema 69), houve uma mudança de paradigma na jurisprudência de forma a permitir a exclusão de uma série de valores das bases de cálculo do PIS e da COFINS. Todavia, a Receita Federal ainda assume postura refratária ao reconhecimento do direito dos Contribuintes, permanecendo necessário recorrer ao Poder Judiciário para garantir a desoneração desses tributos.