A negociação de débitos tributários sempre foi objeto de muita discussão dentro do Direito brasileiro, especialmente pela ausência de sua regulamentação, realizada há poucos anos. Em linhas gerais, a negociação/transação tributária é um instituto jurídico aproveitado do Direito Civil em que as partes (Fisco e Contribuinte) fazem concessões recíprocas e aceitam que a obrigação tributária seja extinta, desde que cumpridas as condições do acordo.
Após a promulgação da Lei nº 13.988/2020 e das sucessivas regulamentações editadas pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a medida ganhou bastante eficácia, tornando-se uma alternativa viável aos contribuintes para quitar seus débitos com a União. Contudo, apesar desses avanços, a ausência de critérios claros e objetivos para a definição da Capacidade de Pagamento (CAPAG) permaneceu causando bastante insegurança nas empresas.
A CAPAG se mostra extremamente relevante em uma transação pelo fato de ser o critério utilizado pela União para aferir o percentual de desconto que será aplicado aos contribuintes na negociação de sua dívida. Resumidamente, são 04 (quatro) as categorias adotadas pela PGFN para essa classificação: A, B, C e D, previstas no art. 24 da Portaria nº 6.757/20221. Quanto pior a saúde financeira da empresa, mais baixa será sua categoria e – numa relação de proporcionalidade inversa – melhores serão as condições oferecidas para quitação do débito tributário.
A título exemplificativo, as empresas em recuperação judicial poderiam se enquadrar na categoria D, uma vez que se encontram na pior situação financeira que uma empresa ainda ativa pode se encontrar, necessitando – inclusive – de intervenção externa para cumprimento de suas obrigações. Dessa forma, seria permitido oferecer maior desconto nos débitos e melhores condições de parcelamento, alterando-se os parâmetros à medida que sua classificação subisse.
O grande problema nessa lógica é que a PGFN se utilizava de critérios obscuros para enquadramento dos contribuintes. Não havia fundamentação, nem muito menos standard decisório que trouxesse o mínimo de previsibilidade para empresas em situação financeira semelhante, não sendo raras as oportunidades nas quais fossem classificadas em categorias distintas.
Em razão disso, para aqueles que não concordavam com as imposições da PGFN, a única alternativa para revisar tais definições se restringia ao ajuizamento de ações perante o Poder Judiciário.
Todavia, com a entrada em vigor da Portaria nº 1.241/2023, que altera e acrescenta disposições na Portaria nº 6.757/2022, houve um significativo aumento da transparência nas decisões tomadas pela Fazenda Nacional. Veja-se alguns de seus trechos:
Art. 1º A Portaria PGFN nº 6.757, de 29 de julho de 2022, passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 6º ……………………………………………………………………………………………….
V – disponibilizar, para fins de transparência e orientação aos contribuintes, no site da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, informações detalhadas para a aferição da Capacidade de Pagamento presumida e procedimento para a sua revisão.
Art. 23 ……………………………………………………………………………………………….
Parágrafo único. A Procuradoria-Geral Adjunta da Dívida Ativa da União e do FGTS disponibilizará, no site da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, os elementos que forem utilizados, informações patrimoniais ou econômico-fiscais utilizadas para estimar a capacidade de pagamento presumida apresentada aos contribuintes.
Art. 34-A. Da decisão que julgar o pedido de revisão da capacidade de pagamento caberá recurso, a ser interposto exclusivamente por meio do REGULARIZE, no prazo de 10 (dez) dias.
§ 1º O recurso deverá expor, de forma clara e objetiva, os fundamentos do pedido de reexame, atendendo aos requisitos previstos na legislação processual civil, e indicando, especificamente, os elementos não analisados ou que infirmem a decisão recorrida.
§ 2º A autoridade competente para o julgamento do recurso será o Procurador Chefe da Dívida Ativa da respectiva Região desde que este não seja o responsável pela decisão recorrida, hipóteses em que o recurso deverá ser submetido à autoridade imediatamente superior.
Art. 34-B. Julgado definitivamente o pedido de revisão da capacidade de pagamento, fica assegurada a possibilidade de apresentação de novo pedido de revisão quando demonstrada a ocorrência de fato superveniente capaz de alterar as conclusões da decisão anterior.
§ 1º O requerimento de que trata o caput deverá evidenciar a superveniência de fato capaz de alterar a capacidade de pagamento anteriormente estimada.
§ 2º A substancial mudança da capacidade de pagamento presumida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional autoriza submissão de novo pedido de revisão.
Para além da previsão de disponibilizar os critérios e as informações utilizadas para a definição da CAPAG, também foi criada uma nova modalidade de recurso em face das decisões que julgarem o primeiro pedido de revisão das empresas. Isso representa um grande avanço em relação postura adotada pela PGFN até então.
Importante destacar que a nova Portaria não alterou a forma de aferição da CAPAG (ainda vinculada à capacidade ou não do contribuinte de amortizar sua dívida no período de 60 meses), mas somente viabilizou maior transparência em seu cálculo.
De toda forma, considerando que a (pouca) jurisprudência sobre a matéria costumava se restringir ao afastamento de erros grosseiros, a definição expressa das informações e documentos utilizados pela Fazenda Nacional para embasar suas decisões torna os procedimentos administrativos e judiciais mais previsíveis. Por conseguinte, havendo necessidade de judicialização, os contribuintes poderão questionar as decisões do Fisco com maior propriedade, inclusive apresentando documentos hábeis à comprovação de seus direitos2.
1 Art. 24. Observada a capacidade de pagamento do sujeito passivo e para os fins das modalidades de transação, os créditos serão classificados em ordem decrescente de recuperabilidade, sendo: I – créditos tipo A: créditos com alta perspectiva de recuperação; II – créditos tipo B: créditos com média perspectiva de recuperação; III – créditos tipo C: créditos considerados de difícil recuperação; ou IV – créditos tipo D: créditos considerados irrecuperáveis.
2 Tais como: (i) laudo técnico firmado por profissional habilitado; (ii) balanço patrimonial; (iii) demonstração do fluxo de caixa; (iv) relação detalhada de bens; (v) relação nominal completa de credores; (vi) extratos atualizados de contas bancárias; dentre outros.